domingo, 27 de janeiro de 2013

Santa Maria

  Eu não estava lá, mas eu sinto. A música alta, as luzes, a bebida. A empolgação por estar com os amigos festejando, ou talvez aqueles que estiveram lá apenas por estar. A euforia da juventude. Juventude? Crianças sem culpa pelo destino. (...) Uma apresentação e tudo caiu pro terra. As luzes começaram a queimar. Gritos calados em meio ao caos. (...) Talvez eu estivesse lá, talvez alguém que eu ame estivesse, e isso faz doer, porque o desejo do ‘não estar’ e o arrependimento das famílias me atinge também.
 Dói pelos que não conseguiram cruzar a saída. Dói pelos que mal tiveram tempo de perceber. Pelos que tentaram. Pelos que sofrem lá fora. Duzentos e quarenta e cinco gritos calados, numa multidão enlouquecida pelas chamas.  

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Conversa de botas batidas


Caminhou pela rua de barro vermelho como fazia todos os dias, com passos lentos enquanto mancava da perna esquerda.
- Bom dia Zé.
 Sorriu em resposta enquanto ajeitava as barras de ferro groso nos ombros. Tivera um longo dia de trabalho e sorriu novamente, para si mesmo.
- 'Dia, Zé.
- 'Dia.
 Sorriu.
 Adentrou uma rua estreita e chegou a frente de um portão enferrujado, abri-o e logo pode ver o pequeno correndo em seu encontro, logo atrás vieram mais dois. O pequeno abraçou suas pernas, deixou os ferros no chão e o pegou em seu colo.
-Pai, conseguiu, conseguiu?
 Gritou o maior, fazendo aparecer uma mulher na janela, olhou pra ela e sorriu. Era pouco o dinheiro, mas esperava que o jantar fosse diferente de agora em diante.

O Velho e o Moço


 Sentei-me em um banco e enquanto observava as pessoas andando apressadas demais para uma tarde fria de inverno, acendi um cigarro. Então um suspiro pesaroso a denunciou, sentada ao meu lado, com os olhos escuros e vazios, fixos no nada. Era velha, as madeixas brancas que lhe cainham no rosto de rugas fundas e expressão cansada lhe denunciou o tempo.
 - Dia ruim minha querida – Disse, deixando-me confusa sobre suas palavras, sem saber ao certo se fora para mim ou um desabafa solitário. Olhei-a, e sem se quer virar-se a mim, continuou:
 - Eles assustam, não é?
 - Muito.
 - Não... a mim não. – Falou-me, com um sorriso no canto dos lábios.
 - Como?
 - Existem coisas mais assustadoras minha jovem.
 - Diga-me, então?
 - Minha vida. Quer que eu lhe conte a minha história?
 - Conte-me.
 - Já tentou ter o controle de coisas incontroláveis? Quando se é impossível ser senhora de si mesmo, e você insiste em deixar a vida como ta e seguir mesmo assim.? Não há motivação. E em ti, existe motivação?
 - Sim, minha família. Tem família, senhora?
 - Não, todos se foram.
 - Vive sozinha?
 - Talvez, porque quando não há quem espere sua volta para casa, no final das contas, não existe vida se não tiver para quem a contar.
 - E as lembranças?
 - Oh, tenho muitas, mas não há quem as queira ouvir. A casa é solitária, e mesmo aos domingos, sento-me no sofá e observo a porta fechada, e pelo vidro da janela, vejo o dia escurecer. Os anos passam e é sempre o mesmo. E eu me culpo, oh como em culpo, por não ter conseguido evitar minha própria idade.
 - Mas isso é inevitável, não é? O tempo é inevitável.
 - E a solidão também. O vazio me preenche há anos, e os sorrisos foram me escapando dos lábios e saindo pelos olhos, hoje sou seca, nada mais me escapa, nada mais me abala nem me preenche. Consegui ver o que ficou?
 - Tristeza?
 - O nada. Apenas isso, um grande e surpreendente nada. Eu tentei agarrar o universo com os braços, minha jovem, e hoje mal consigo erguer os olhos para contemplá-lo. Você entende o que eu quero dizer?
 - O universo é grande.
 - E a vida cabe em uma mala. Bagagem grande que é levada ao ombro e te deixa cansada no final da viagem. Uns morrem e outros se perdem, e ainda me pergunto, qual a diferença de ambos quando nem eu mesma sei em qual deles parei.
 - Presumo estar indo pelo mesmo caminho.
 - Então troque o caminho, não vale à pena trocar a comodidade pela solidão. Vire a direita, admire outro caminho, e esqueça. – E sem se despedir ou virar-se a mim, levantou-a e foi embora. Fiz o mesmo, levantei-me e segui para longe, e por um atalho, olhando para o céu estrelado, a esqueci.  
                 

Sobre não saber o que dizer.


 Meus dedos se perdem na folha em branco e eu não consigo encontrar um ponto de fuga, e porque o silêncio me deixa confusa e tenho essa mania de acreditar no que eu mesma imagino. Mas estou de malas feitas outra vez, pronta para fugir pro acalento da minha própria solidão, só preciso chegar rápido, só quero esquecer o motivo que fará doer. E deixo gravada minha futura dor, nas palavras que preenche as linhas, mesmo que seja incompreensível (...). Estou me colocando no papel, e fico surpresa em saber que depois de meses de bloqueio, eu ainda sou o motivo da escrita. Por que estou me dissertando o tempo todo? Por que as linhas brancas estão engolindo minhas palavras e cuspindo-as de volta? Um amontoado de sentimentos repetidos, virando pó dentro de mim. O vento está soprando nos meus ouvidos, consegue me ouvir? Já se passam da 1 hora, eu continuo aqui.