Divagava uma cena que nunca iria
acontecer. Nesse devaneio, encontrei uma história de vida sincera que eu sempre
esperei ouvir.
Começara a ser indagada sobre a
hipótese de ter uns trocados ali comigo. Sentada numa toalha xadrez sobre a
grama, ofereci-lhe o que comer e a minha atenção. Dissera-me que era mais do
que o suficiente. Foi então que sentou-se ao meu lado e não se deu ao luxo de
se sentar sobre a toalha clichê de piquenique.
Nosso diálogo nasceu a partir da
seguinte pergunta: “Como é que te ajudo?”. “Conta-me algo sobre a sua vida”.
Ele se mostrou um tanto surpreso. Mas a verdade, ambos sabiam; ele, na rua, no
frio, sozinho, vivia mais do que a moça que lhe imaginava. “Quero escrever
sobre você”. “A moça escreve livro, é?”. “Não, não posso e nem sei como é que
se faz. Só brinco que sei. E não se vende o que é sincero...”. Ele conhecia,
entendia o mundo.
Ele parecia procurar a palavra
certa para começar. Ajeitei-me como se ajeita quando se o ouve o anúncio de que
o espetáculo vai começar. “Não sei quanto tempo faz, sabe moça, só sei que faz
tempo. Eu era garoto, gostava de brincar na rua e ir atrás de pipa, não queria
saber de estudar não, moça.”. E parou como se procurasse o passado em meio as
nuvens. Perdeu-se num olhar. “Está aqui a muito tempo?” Perguntei, com
esperança que a história não se perdesse. “Não, cheguei aqui há 2 anos. Morava
lá na 28 de Maio, a ponte principal.” Sorriu e continuou. “Esteve sempre
sozinho, foi?”. A minha curiosidade inocente nunca soube se controlar. “Eu já
tive família um dia. Dessas famílias que ninguém deveria abandonar, mas a gente
nunca sabe disso quando tem.” Ele se perdeu, deixou perder. E aquela dor, eu
trouxe comigo, como souvenir de uma boa história.
- Com Júlia Recieri
- Com Júlia Recieri
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