Colocou um grande chapéu, encobria-lhe os olhos e mal a
deixava ver. Com as vestes largas, muito maiores que seu pequeno corpo, a fazia
tropeçar, e os saltos? Tão grandes eram que seus pequenos e finos dedos ficavam
perdidos dentro dele, e seus passos estranhos a faziam tombar. Fechou o guarda
roupas, e estava pronta, logo ela chegaria. O risinho de criança travessa
denunciava ao pai, que parando em frente ao quarto a surpreendeu com uma enorme
gargalhada. –“Oras, o que és isso?” Perguntou entre os risos. –“Uma surpresa
para a mamãe!” E com um bico mimoso de vermelho borrado, respondeu. E sem
responder o homem saiu, deixando pequenas risadas no ar. Parou em frente ao
espelho, e pensou ser adulta, dona de imensas responsabilidades, ou que sabe
uma princesa? Rodou e rodou, nos sapatos maiores que os pés, e sentiu como se
pudesse ser qualquer coisa, e até mesmo tão forte quando a dona das peças.
Ouviu a porta bater e uma escrava adentrar o aposento eufórica; -“Mas o que e
isso? Quanta bagunça! E sinhá já chegou!” Bradou em desespero, enquanto
apanhava peças de roupas espalhados pelo chão. Mas não respondeu, apenas tentou
correr escadas a baixo, o mais rápido que seus sapatos deixavam, e pulou sobre
a mulher que risonha a saudou. –“Não tens jeito, não é?” E em resposta a
pequena apenas a abraçou. E voltou a usar aquelas roupas, anos depois, quando a
velhice batera na porta da mais velha, e fora levada. As roupas, já descoradas
e velhas, serviram-na, debruçada em lagrimas sobre o corpo, abraçou-a pela
ultima vez.
terça-feira, 26 de junho de 2012
Pelo vinho e pelo pão
Olhando para os séculos passados e os que estão por vir, só
vejo poeira, uma grande e densa poeira. Porque o ser humano é somente isso aos
olhos de quem está em cima. O breu de ajuda e a massa de necessidade onde reina
o capitalismo – ou fascismo abstrato, para quem vê além disso.- A população
cresce e o ser da sociedade acaba, se extermina. Sobre uma face os heróis e os
vilões do outro lado da moeda. A esquerda, direita, ambos os lados e lado
nenhum, são somente divisões do parlamento, que falar por falar é a única
direção certa. São canibais de primeiro mundo, onde o pensar do outro lado das
torres de decisão são proibidas por leis que nunca foram faladas. [...]
Gritarias e cartazes erguidos na avenida, enquanto na torre mais alta, eles
riem de quem está tentando mudar o mundo. Coroas e cetros substituem ternos e
cérebro, pra quem enxerga sua cadeira como um trono. E então quem segura os
cartazes desiste, sem apoio. E quem se envolveria? [...] E as aspas fazem o
trabalho do chamado governo, dominando o plural do imperfeito.
segunda-feira, 18 de junho de 2012
Blitzkrieg Bop
O crepúsculo se iniciava, a
vermelhidão rotineira tomava a imensidão e eu a observava em meio aos risos e
as conversas bobas. Eram assim, todas as tardes, cheias de abraços e palavras
mal colocadas que gerava risos o caminho inteiro. Minhas costas doíam, os
pensamentos vinham como pássaros ligeiros que logo me escapava, eram muitas
coisas, todas bobas, mas que me perdia, por alguns minutos, mas os risos delas
me acordavam novamente. Mil e um livros e faltava-me braço, espaço e força, e
as mãos eram dadas, ao atravessar correndo as ruas que eram menores que nosso
medo de caminhar. Era quase morrer todos os dias. A imaginação corria solta
pelo caminho, palavras no ar, e risos, apenas risos. Gritos, músicas, lugares e
fotos. Puxões e cuidados, broncas de quem se preocupa. E em espaço nosso
comandávamos a bagunça, não existia mais nada, éramos nós e nosso jeito de
querer agarrar o mundo com as mãos, mas suspeito ainda, talvez conseguíssemos.
Gostava daquilo, como gostava do café da tarde em companhia boa, depois de uma
tempestade, quando ainda se ouvi os pingos do telhado. Como ver meu pai com
violão nos braços prestes a entoar canções e minha mãe rir na cozinha.
Gostava tanto que não queria me despedir e nos momentos de
separação, era como se tirassem meu cobertor em meio ao frio. Dizia adeus, como
quem espera o próximo dia, quem espera o próximo ‘oi’. Éramos um abraço e tanto.
[...] Falava e falava, e me pergunto agora, como me agüentaram? Não o sei, mas
agradeço-lhes por isso. Eles eram o complemento, era como se sentir em casa. E
a falta dos últimos dias é das tardes que o mundo era nosso, somente nosso, de
mais ninguém.
Vila do sossego.
domingo, 3 de junho de 2012
Perfeição
Dissimulada era,
menina que enganava e ria, ria de quem não conhecia seus truques, truques esses
que sei bem, sei-o tanto que não me enganas mais, menina má de risada escura. O
primeiro golpe fora rasteiro, quase que não acerta-me, quase que não percebo,
passou rápido e pisquei sem entender, se era o que parecia ser. Com os braços
abertos ela lhe enlaçava, como uma serpente rastejante, pronta para dar o bote.
Com seus afagos carinhosos ela lhe envolvia, teia de mentiras que te enroscava
sem perceber.
A segunda fora cruel, mas não para comigo, vi acertar a
outro, e como sutil era, ninguém percebeu, nem mesmo a recém vitima que com dor
fora formada, que a abraçara em busca de consolo. Envolvia fácil, menina
traiçoeira que cobiçava o mundo, com seus passos planejados e as mascaras que era
trocada a cada aurora a espera do anoitecer. O terceiro golpe fora fatal, o
ultimo que dera, acabara com tudo, e em cima dos destroços colocara um trono e
se intitulara rainha, rainha do que não lhe pertencia. Uma manta negra fora
jogada em seus ombros e seu cetro de maldade posto em uma das mãos. Observei-a
naquele dia, e tudo então fizera sentido, como pude m deixar levar por um belo
par de olhos que nunca me dizia nada? E então a distancia me pegara e me pusera
em seu colo, ninou-me e me fez vencer por mim mesma. E ela? Continua por ai,
solta com seus cílios a bater e com seus pensamentos a tramar, dominando todos
os que lhe entregue confiança.
sábado, 2 de junho de 2012
La Maison Diel
Arrume um encosto, ajeite os travesseiros e se enrole no
cobertor. Coloque um filme que te faça chorar, e mesmo que o casal não termine
junto, mesmo que estória não faça sentido, assista. Pegue toda a quantidade de
chocolate e sorvete que tiver, não se preocupe com o peso ou as gordurinhas a
mais, é só um dia afinal. Depois só aperte o play. [...] Se encontre em cada
personagem, seja no nariz ou nos gosto, se sinta em cada momento, em cada fala.
Se irrite e diga tudo o que tem vontade para seus personagens e suas falas não
aceitas e momentos impróprios. Prenda o fôlego e não pisque os olhos enquanto
não achar seguro. Aperte a almofada ou um ursinho de pelúcia. Deixe seus olhos
brilharem e inveje as cenas românticas, se ponha no lugar dos personagens, nas
caminhadas de mãos dadas num parque qualquer, em um jantar a luz de velas ou em
brigas com seus finais em lençóis e camas. Se emocione e segure as lagrimas
presa nos olhos. Chore. Desconte nos créditos finais toda a sua raiva, sua
insatisfação pessoal e suas vontades. Não saia de casa. Durma. Sonhe e esqueça
que dia é. Não pergunte as horas. Vai acabar, não é o fim do mundo garota. Não
pense, não espere. Ursos, flores e bombos não servem para nada.
Música Ambiente
Era sempre o
mesmo lugar, e eu avistava logo aquele grande e cheio meio de transporte. Lia
mentalmente as grandes letras laranja que indicavam o caminho e eu embarcava. Era
cheio de pessoas, conversas paralelas, mas eu não ouvia ninguém. Não importa se
era 505, Perdidos no Espaço ou Check- up, era sempre aquele mesmo fone, hora em
um lugar, hora em outro, a janela sempre era minha maior aliada. Sentada uma
vez do lado esquerdo, observava com atenção as curvas que dava e na minha
cabeça, quantos acidentes não acontecera ali? Imaginava em cada curva e ria,
quando não havia mais escapatória. [...] A viagem era sempre a mesma, os mesmos
lugares as mesmas pessoas, o mesmo tempo. As vezes um sorriso me escapava para
alguém que estivesse pronto a recebê-lo, outras vezes passava ligeira, pedindo
perdões e licenças. Eu cantava com toda minha alma silenciosamente, “You're
waiting laying on your side, With your hands between your thighs...” e meus
olhos se fechavam como se estivesse sozinha. Mas eram poucos os dias em que
esquecia completamente a música e meus olhos brilhavam ao contemplar o céu se alaranjar
com a aurora. O sol então dava a graça com seus primeiros raios saindo por detrás
das montanhas, e eu não piscava. Acompanhava da janela daquele ônibus o nascer
da manhã e às vezes, o fim da noite, com a lua perdendo seu brilho, e as
estrelas se apagando, uma a uma. Seguia a lua com os olhos atentos, ela sorria
e eu devolvia o sorriso, pronta para repetir Too Afraid to Love You.
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